Amando Sobre os Jornais




Acostumado a morar com um núcleo familiar reduzido — eu, meu pai, minha mãe e minha irmã — o Amor era algo sempre presente. Acostumados como estávamos um com os outros, essa coisa mística se transformou em fato cotidiano. No entanto, trocando de cidade e de vivências, acabei percebendo que o Amor não é um artigo elástico, que se molda tão facilmente no dia-a-dia. O Amor pode ser um artigo de luxo, que, felizmente, também se vende em São Paulo. 


Giulia,


Quando era criança eu criei o costume nocivo de imaginar que sabia tudo sobre o Amor, sobre o romance, sobre as aparências. Por isso, não conseguia imaginar que o futuro poderia ser tão diferente do presente, sabendo tudo aquilo que eu achava que sabia. Não via como melhoraria as minhas chances com o corpo que tinha, não via em mim atração ou beleza. Não entendia que as coisas iam mudar, que situações passariam, que eu seria forçado a viver com novas pessoas e conhecê-las. A um ponto, imaginei que passaria o resto da minha vida sozinho, e já falei isso, como uma piada, mas com um fundo de convicção.

Nunca me faltou Amor, na verdade. Crescendo com uma família tão reduzida, deslocada por milhares de quilômetros das minhas tias e avós, era até surpreendente que isso acontecesse. Mas nunca me faltou uma gota de amor, de sentimento, de preocupação. Mesmo sendo apenas eu, meus pais e minha irmã. Não foi uma realidade fácil sair desse lugar de afeto para o berço frio de São Paulo (capital). Ainda mais sozinho. Não que Brasília abrigue as pessoas mais carinhosas do mundo, mas eu estou acostumado com a soberba e arrogância brasiliense, mas não com a dureza de gelo dos paulistanos.

Crescer com pais e parentes potiguares, tão solares como a sua própria terra, me acostumou com uma forma certa que sempre associei ao carinho e ao bem-querer. As conversas ininterruptas por horas, o sotaque cantado, o sol, a luz, os sorrisos mas também as brigas, como tempestades em um céu límpido, como as chuvas torrenciais que caem junto à noite de Natal, e se dissipam com o primeiro raio do Sol. Não foi com surpresa que registrei a diferença de São Paulo. É o que sempre dizem, e não estão errados: cidade fria, selva de concreto, não existe amor em SP. Foi com mais surpresa que registrei uma nova forma de carinho. Na cidade metropolitana, o amor é contido em cada um.

Por meses, foi difícil entender. Ainda sofria com o Amor que me escapara pelos aviões de Congonhas rumo à Brasília. Chegar em casa, por mais tarde que eu adiasse a volta, era sempre desolador. Ir dormir sem dar um boa-noite para quem quer que seja, sem esquentar um arroz de leite feito pela minha mãe ou as sobras do almoço de domingo, a falta de hábitos simples, cotidianos, apenas intensificava a falta que eu nunca havia sentido. Até porque, como sentí-la, se sempre esteve lá. Não sei se foi isso, se foi o desconforto de não ter em São Paulo um desejo cotidiano, mas acabei me apaixonando por você.

Sempre julguei o Amor como algo excepcional, com A maiúscula, uma entidade, um poder tão forte quanto Deus. Quando comecei a me apaixonar por você, não entendia se era um “crush”, uma paixonite, ou se, realmente, havia voltado a experimentar o Amor. Da última vez que havia visto esse sentimento, se é que podemos chamá-lo assim, abandonei-o sentido que nunca mais o veria novamente, tal era a sua intensidade. Como se fosse um espetáculo de um ato só, uma chama tão forte que seria necessária a força de mil raios para iniciá-la. Avançei com cautela por uma caminho que não sabia se já havia trilhado.

Mas não há porque o Amor ser tão excepcional. Criamos a falácia, em nossas cabeças, de que as únicas coisas boas são raras. Realmente, muitas coisas boas são raras, mas não é uma exclusividade. Você me mostrou isso, muito bem. Raro é achar alguém que gosta tanto de Caetano como eu gosto, que também tem uma queda pelo Paul Mcartney, que leu os mesmos livros que eu li, que também passou por uma infância estranha e a superou, que vê Dias Perfeitos com a mesma admiração que eu. Por isso eu nunca encontraria isso em ninguém, além de mim mesmo.

Um dia, você me perguntou se eu acreditava em almas gêmeas. Eu te respondi honestamente: “Acho que amar alguém é reconhecer nela algo que te falta, que te completa. Acho que as pessoas da nossa vida são como reflexos de nós mesmos, e procuramos nelas o melhor de nós.” Uma alma gêmea pode ser completamente diferente de nós em gosto, mas corresponde exatamente ao que te falta, o que te faz fraco. Você me respondeu que acredita em uma lenda: “Todos tem uma alma gêmea, e somos ligados a ela por uma pequena corda vermelha amarrada no mindinho”. O que me deu muito medo, meu antigo medo de criança: e se a minha alma gêmea estiver perdida, e eu nunca encontrá-la?

Por isso que eu te amo, muito, muito, muito, muito. Você é o que me faz fraco, o que me falta, me gera medo. Onde eu vejo a ilusão de um Amor sempre presente, você vê a esperança de um Amor distante, mas que virá. Você acredita em um Amor guiado pelo destino, enquanto eu prefiro acreditar que o Amor seja racional. Eu perdi o Amor, qualquer que seja ele, quando vim morar sozinho e longe da minha família, e eu não esperava por isso. Me desesperei internamente enfrentando a realidade da ideia que havia construído para mim mesmo. Mas eu te encontrei. Não sei se por uma linha vermelha, mas você me tornou completo novamente. A forma do teu carinho pode não ser a forma com que eu estava acostumado, mas também aprendi a vê-lo pelos seus olhos.

Voltar para casa é mais fácil agora, quando penso que vou te ver qualquer dia desses. Quando sei que, se eu precisar, posso dormir na sua casa ou você na minha. Você completou o afeto que deixei e nunca imaginei que sentiria tanta falta. E, muito mais, você me mostrou o que eu estava procurando há tanto tempo: como amar quando se ama de volta. E ainda me surpreende em alguns momentos pensar que você possa me amar mais do que eu te amo. Você me mostrou, finalmente, que amar consiste em amar o diferente, porque o mesmo nunca vai me completar.

Às vezes sinto que eu fiz o óbvio. Que eu te mostrei carinho e que eu persisti, e que por isso você gosta tanto de mim. É um pensamento acompanhado pelo sentimento de injustiça, de que você deveria ter sido tratado assim antes e que não é justo eu receber as graças pela dureza de um mundo cruel. Mas você recebeu muito amor, muito carinho que eu não sou capaz de compreender, não com o meu cérebro formatado pelo caloroso Amor potiguar da minha família. Eu apenas te amei como eu fui ensinado a amar, e você me amou como foi ensinada a amar. E é por isso que eu me apaixonei por você.

Você me dá esperança de um Amor sagrado, que chegará, eventualmente. Eu te dou a certeza dos meus carinhos, do refúgio que você tem em mim. Eu te dou um Amor caloroso, tempestuoso, e você me dá um Amor de noites românticas, regadas por frias garoas. Você me conduziu com uma fitinha vermelha pelo território da incerteza, mas também da grandeza, onde florescem Rosas Místicas, onde cavaleiros resgatam princesas. Eu te amo por você me completar da maneira mais inusitada, e por ter me mostrado isso. Obrigado por ter me mostrado um mundo onde, ao final da comédia romântica, a menina sonhadora se casa com o jornalista cético (profundamente aterrorizado). 


Te amo, muito (muito, muito, muito)
Bernardo

Comentários

Postagens mais visitadas