Photograph
Photograph
Fotografia, memórias e amigos
São vários os segredos que descobrimos ao longo da nossa vida. Enquanto crescemos, para aqueles mais afortunados, ela é como um mapa do tesouro marcado por vários “X”. E navegamos o arquipélago de nossa existência em busca das ilhas que carregam tesouros ignotos e misteriosos, esperando serem revelados abaixo de sete camadas de areia, terra ou outros sedimentos há tempos carregados para lá. Alguns tesouros são passageiros, e deles vale mais a jornada que nos levou lá do que a riqueza em si, outros, no entanto, carregamos conosco para toda a nossa vida, como um talismã que nos protege dos mares revoltos e tempestades.
Nossos amigos, por exemplo, são tesouros que carregamos, muitos deles, para o resto da vida. A amizade, por outro lado, é um segredo que descobrimos. O amor, o carinho, as traições, a morte, a vida, são todos segredos que nos são revelados ao longo da nossa jornada. Cada um desses segredos revelados de maneiras diferentes e especiais, que marcam de um jeito único o tecido da nossa existência nesse planeta. Mas há também os segredos e tesouros mais tangíveis, como a leitura e o primeiro livro que você leu. Para mim foi algo muito importante, que preservo até hoje e acho que nunca vou largar.
Mas, um dos segredos que até hoje carrego comigo foi o da fotografia. Ela sempre me acompanhou ao longo da vida, e é natural que seja um segredo logo revelado par atodos as pessoas. Em uma época e sociedade em que a aparência e a imagem já possuem um valor tão grande, é impossível não enfrentar o dia-a-dia sem olhar para uma foto. Nos jornais, nas redes sociais, mesmo nos vídeos, que se transformaram em parte rotineira da vida no século XXI, a fotografia está presente. Para mim, foi uma introdução cada vez mais intensa. Quando eu era criança e os celulares ainda não eram instrumentos tão utilizados, especialmente para a fotografia, você tinha que usar uma câmera. Acontece que meu pai tinha uma câmera, e durante toda a minha infância eu e minha irmã erámos seguidos por esse papparazzi frenético e carinhoso em viagens, aniversários e eventos especiais.
Por isso eu posso abrir o armário da minha casa hoje e encontrar as minhas fotos como o Rei do Milho, em uma festa junina de anos e anos atrás. Ou encontro fotos das nossas viagens para Natal. Posso revisitar momentos que nem guardei na minha cabeça, mas que me divirto muito imaginando, e, de certa forma, relembrando. É interessante que as fotografias, na maior parte do tempo, permanecem guardadas em um armário escuro, ocupando espaço. Mas, naquela noite em que você se reúne com sua família para rever os momentos eternizados em papel fotográfico, elas ganham um sentido surreal. E todo espaço que ocupam de repente se torna valioso e indispensável.
No entanto, o interessante dos segredos é que muitos continuam tão misteriosos quanto antes de serem descobertos. E assim foi com a fotografia. Apenas em julho de 2022 que a fotografia começou a se tornar um mistériso cada vez menos obscuro para mim. Não me lembro exatamente como, mas eu acabei com uma das câmeras do meu pai em mãos. Hoje em dia, ele tem três câmeras, embora a gente use apenas uma. Elas foram acumuladas ao longo do tempo, com o avançar das tecnologias. A mais antiga ainda usa filme, ou usava, já que não a usamos mais, a segunda é eletrônica mas se tornou desatualizada, e agora usamos outra, digital, que serve a toda família. A gente ia viajar para Buenos Aires, e como ele leva a câmera para todas as viagens, ela também estava presente lá. Acho que fui eu que pedi ela emprestada, para tirar algumas fotos, e acabei ficando com ela por todo o período em que estivemos lá. A partir daí, me tornei uma cópia do papparazzi que meu pai é. Levava aquela Canon EOS Rebel T5 para qualquer aniversário, evento ou viagem. Ela foi se tornando um patrimônio familiar enquanto eu apropriava a fotografia em algo meu. Até hoje, me lembro de pesquisar o que cada configuração da câmera significava — ISO, abertura, foco, exposição, velocidade —, de anotar cada configuração que encontrava em um caderninho e ir testando o que funcionava, de brincar com os efeitos built-in da máquina e os perfis de cores, ou de mudar os formatos das fotos e me arrepender profundamente depois por ter transformado uma fotografia incrível em uma fotografia de 4 Megapixels.
Foi um período ótimo da minha vida. Fiz um curso de fotografia, saí por Brasília para fotografar — cidade que, diga-se de passagem, é uma ótima modelo — e me tornei o fotógrafo oficial de todos os aniversários que ia. Em 2022 eu não sabia que ia querer o jornalismo para a minha vida, e, por isso, me mantive muito distante da ideia do fotojornalismo, da qual apenas estou me aproximando agora. Isso foi muito bom, de uma certa maneira, porque eu nunca abordei a fotografia como uma atividade profissional. E é uma pretensão que realmente quero manter distante desse tesouro que encontrei entre as correntezas da minha vida.
Para mim, a fotografia sempre foi algo divertido, e acho que sempre deve ser. Entendo a necessidade e o interesse pela fotografia profissional e pelo fotojornalismo, mas para mim a sua forma mais verdadeira sempre será a fotografia amadora. Imagino que as pessoas que olham para pequenos quadrinhos na parede cheio de memórias e afetos e pensam: “que enquadramento péssimo” ou “tá muito estourado”, tem que ser extremamente infelizes. O único sentimento melhor do que a felicidade é o sentimento de revivê-la. E estragar isso para si mesmo, pensando em mínimos detalhes técnicos, deve ser simplesmente insuportável e amargo. A fotografia sempre foi uma atividade de capturar momentos, não importa se você é o Cartier-Bresson ou o Sebastião Salgado, enquanto a vida for bela também serão as fotos.
Acho que a fotografia nunca foi tão importante para mim quanto agora. Me lembrar dos amigos que já não vejo com tanta frequência e marcar memórias da faculdade que terei prazer em rever daqui alguns anos. Nunca vivi um período da minha vida que quis tanto reviver e rever memórias do passado. Nem um período em que tive tantas experiências e pessoas novas para registrar nos meus álbuns digitais. Também, após perder a convivência sempre constante de amigos e família, o sentimento de que tudo passa um dia nunca foi maior. Por isso, valorizo tanto esse segredo que encontrei velejando pela vida, e com ele guardo os tantos tesouros que descobri. Fica aqui a minha eterna gratidão pelo advento dessa tecnologia.
"Everytime I see your faceIt reminds me of the places we used to goBut all I've got is a photographAnd I realize you're not coming back anymore"
E que belo segredo vc guarda, meu filho! O seu olhar é sensível e atento.
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